Só as bebidas espirituosas passam a estar interditas a menores de
18 anos. “É o diploma mais ridículo que já vi”, insurge-se médico.
O Governo tinha anunciado o aumento para os 18 anos
da proibição da venda e consumo de bebidas alcoólicas. Afinal, é só para
as bebidas espirituosas, mantendo-se nos 16 anos a idade mínima legal
para a compra de vinho e cerveja, a bebida mais consumida nestas faixas
etárias. Os especialistas criticam o recuo, que só deixou os produtores
de cerveja satisfeitos.
De acordo com um
diploma aprovado nesta quinta-feira em Conselho de Ministros, os jovens
com menos de 18 anos passam a estar proibidos de comprar bebidas
espirituosas e equiparadas, geralmente denominadas “bebidas brancas” e que são as de maior teor alcoólico.
A fiscalização pode, em caso de flagrante delito, decretar o encerramento imediato do estabelecimento durante um máximo de 12 horas. Depois, além de uma multa, que pode ir dos 2500 aos 30 mil euros, o estabelecimento pode ser encerrado durante um período de até dois anos.
O Governo
decidiu também proibir a venda de bebidas entre a meia-noite e as 8h00
fora dos estabelecimentos de restauração, bares e discotecas, assim como
portos e aeroportos. Ou seja, as lojas de conveniência, os postos de
combustíveis nas auto-estradas e fora das localidades não poderão vender
álcool durante a noite.
A intenção do Governo é “colocar
barreiras ao consumo de bebidas alcoólicas por adolescentes”, mas também
permitir que as forças de segurança tenham agora mecanismos mais
adaptados às acções de fiscalização.
“Não tencionamos penalizar os
consumidores”, garante o secretário de Estado adjunto da Saúde,
pretendendo-se antes “dissuadir os estabelecimentos e os prevaricadores
de insistirem na venda de bebidas alcoólicas a menores de idade”.
Não
há, por isso, multas para os consumidores. Mas quando detectarem jovens
a consumir bebidas alcoólicas sem que tenham idade para tal, as forças
de segurança terão que notificar os pais ou responsáveis legais pelo
jovem e também o centro de saúde da área de residência. No limite, a
questão poderá chegar aos núcleos de apoio às crianças e jovens em
risco, que deverão acompanhar o caso e enquadrar os menores.
“A
partir de agora, de uma forma muito clara, assume-se que é um problema
de risco de saúde e de saúde pública”, argumenta o secretário de Estado
da Saúde.
Proteger o interesse das empresas
“Não
há álcool bom e álcool mau”, reagem os representantes da Associação
Nacional das Empresas de Bebidas Espirituosas. “É o diploma mais
ridículo que já vi. O álcool é todo igual, seja vinho, cerveja ou outra
coisa”, critica também o hepatologista Fernando Ramalho, em declarações à
agência Lusa.
A decisão do Governo de manter a proibição de venda
e consumo de vinho e cerveja nos 16 anos de idade merece apenas o
aplauso da Associação Portuguesa dos Produtores de Cerveja, que
considera esta medida “adequada”, porque leva em conta a realidade
portuguesa.
O hepatologista Fernando Ramalho considera que, desta
forma, o Governo não está interessado em proteger a saúde dos
portugueses. “Sou frontalmente contra isso. É o diploma mais ridículo
que já vi. O álcool é todo igual, seja vinho, cerveja ou outra coisa”,
indigna-se o responsável da unidade de hepatologia do Hospital de Santa
Maria, em Lisboa.
Fernando Ramalho lamenta que “os interesses das
empresas que vendem álcool se sobreponham ao interesse da saúde dos
portugueses”. O especialista defende que, antes dos 18 anos, devia ser
proibido o consumo de todas as bebidas alcoólicas, lembrando que é assim
que acontece nos “países civilizados”.
A par desta proibição,
advoga uma fiscalização intensa e medidas de educação dirigidas para os
mais novos. Na Europa, ainda há países que permitem o consumo de algumas
bebidas aos 16 anos, como o Reino Unido e a Bélgica, mas em Espanha,
França, Irlanda ou Finlândia já se impõe os 18 anos como limite mínimo
para o consumo de qualquer bebida alcoólica.
Frisando que o álcool “é todo igual”, independentemente de ser cerveja, vinho ou vodka,
o hepatologista do Santa Maria e professor na Faculdade de Medicina de
Lisboa lastima que haja políticos que “continuam interessados em
patrocinar algumas empresas de bebidas”, escusando-se a ouvir a opinião
“de quem está no terreno”. Fernando Ramalho diz que o impacto do álcool
na saúde dos mais jovens é significativo e que há “situações graves”
registadas no país.
A Associação Nacional das Empresas de Bebidas
Espirituosas (ANEBE) também critica a medida. “Assistimos com alguma
incompreensão à aparente intenção governamental de recuar na subida da
idade”, disse à Lusa o secretário-geral da ANEBE, Mário Moniz Barreto,
que defende a subida para os 18 anos da idade mínima da venda e consumo
de todas as bebidas alcoólicas.
“Não há álcool bom e álcool mau”,
diz Moniz Barreto, para quem esta diferenciação vai contra as
recomendações comunitárias e internacionais, que defendem a harmonização
da idade mínima nos 18 anos.
Já o secretário-geral da Associação
Portuguesa dos Produtores de Cerveja (APPC) considera que a manutenção
dos 16 anos como idade mínima para a venda e consumo desta bebida é
“adequada” e leva em conta a realidade portuguesa. Para Francisco Gírio,
existem idades mínimas de início de consumo de bebidas alcoólicas, e
este “deve iniciar-se com bebidas com menor grau alcoólico”.
(...)
O presidente da Associação de
Produtores de Cerveja, Pires de Lima, que é também presidente do
conselho nacional do CDS-PP, insurgiu-se de imediato contra a proposta
“proibicionista”. O CDS-PP parecia demarcar-se do parceiro de coligação
no avanço destas medidas. E quando, recentemente, os especialistas
responsáveis pela elaboração do plano nacional de prevenção do suicídio
defenderam novos limites à venda de álcool, Pires de Lima voltou a
qualificar a proposta como “completamente disparatada”.
O álcool
“não pode servir de bode expiatório”, defendeu o presidente da
Associação de Produtores de Cerveja, argumentando que “o seu consumo tem
vindo a baixar ao longo dos últimos três anos em Portugal”. Combater o
mau uso do álcool passa, ainda no entender do presidente do conselho
nacional do CDS-PP, “pelo investimento na educação dos jovens e pela
fiscalização”.
Em entrevista ao PÚBLICO, no início deste mês, Leal
da Costa voltou a confirmar o aumento da idade legal para os 18 anos,
adiantando apenas que esta distinção entre bebidas alcoólicas estava em
avaliação.
“[A separação] é matéria que ainda merece alguma
reflexão no interior do Governo e estamos a avaliar os cenários mais
adequados à realidade portuguesa”, disse o governante, acrescentando
que, “apesar de vários países europeus seguirem esse modelo de
separação, o mais importante é uma fiscalização eficaz”.
Em
Conselho de Ministros, foi também aprovada uma proposta de lei que reduz
para 0,2 gramas por litro de sangue o limite máximo de álcool permitido
para condutores recém-encartados, assim como condutores de veículos de
socorro ou de serviço urgente, de transporte colectivo de crianças e
jovens até 16 anos, táxis, veículos pesados de passageiros e
mercadorias, ou veículos de transporte de mercadorias perigosas.
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